quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Miró e a Composição e Fragmentação do Eu


Miró, reconhecido pintor da Espanha, através de suas pinturas modernas, explorava sua cáustica natureza interna. E em períodos de guerra, expressava o drama, o horror, através de incríveis pinturas, cuja estética elaborava uma dor que podia assim ser diluída em cores.

Uma de suas obras, intitulada "Composição", retratou uma natureza fria, de ausência, deixando a interpretação a cargo do espectador.

Tal pintura surgiu próxima a um período chamado de "Assassinato da Pintura", na qual eram pinturas baseadas em colagens de objetos recortados de jornais, revistas.

A economia cromática realçada nesta obra especificamente pode vir a ser um apanhado de figuras distorcidas, retorcidas de um corpo fragmentado. Em meio a um fundo degradado e frio, semelhante a um Inconsciente desabitado, Miró desdenha da realidade.

Sob a influência do movimento surrealista, Miró permitia-se ao mesmo tempo ser afetado pelo surrealismo, e também se desvincular de qualquer identificação última com qualquer movimento ou postura.

Nesta obra "Composição", com o título contrastando com seu significado talvez, a interpretação vai em torno de uma fragmentação de um "Eu" perante as vicissitudes do mundo.

A Fragmentação é um conceito utilizado em Psicanálise para descrever a situação de um indivídulo perante uma divisão de sua personalidade, consubstanciando uma identidade fragmentada.

As figuras no quadro são interpostas, com membros em pedaços, figuras parecendo a ossos, machados, com um contraste de cores entre o branco, preto, e o vermelho que talvez mostra o sangue em meio a tudo.

O que queria Miró nos mostrar?

Algo relacionado a uma inteireza de um "Eu" que foi desagregado pode ser a resposta.

As particularidades de uma dissociação de tal monta é pensada na Psicanálise por alguns conceitos.

Armando Colognese Jr. em seu livro "A trama do equilíbrio psíquico", manifesta a ideia de momentos da vida de um indivíduo que são marcados por distúrbios psíquicos onde a Pulsão de Morte (conceito Freudiano, exemplo cujo objetivo desta Pulsão é desfazer ligações psíquicas) domina a Pulsão de Vida, de modo que "a Pulsão de Morte toma emprestada a Pulsão de Vida e passa a controlá-la, ou dito de outra forma, a pulsão de vida está a serviço da pulsão de morte. libidinizando-a."

Rosenfeld descreve esse funcionamento mental semelhante a uma gangue mafiosa.

Os objetos no quadro de Miró, por estarem em um período em que ele pintava de guerras e conflitos, talvez queiram salientar que para haver o Outro, tem que existir um "Eu" primeiramente. Ou mais além, significa o não enxergar o outro, por haver esse "Eu" deformado em nós mesmos. Pois nos conflitos exteriores ninguém enxerga o Outro, seu próximo.