segunda-feira, 7 de junho de 2010

Enquanto a Copa não vem...



Este título de post pode até sugerir uma certa dose de ansiedade e vontade de ver o grandioso futebol na Copa do Mundo de 2010. Mas fora o título, não há sopa que possa fazer esse caldo dar certo desta vez em minha cabeça.



Por muitas Copas me rendi e cheguei ao cúmulo – tal qual muita gente – de não perder nenhum jogo do embriagante (no bom sentido) torneio. Mas neste foco não permaneci, e pela primeira vez acho que vou acompanhar com uma deslocada sobriedade, desencantamento, realismo, e… algum saudosismo… Lembro com intensidade de como comemorei o lindo gol do “Careca” na Copa de 86 contra a França (um dos mais bonitos que já tive a oportunidade de ver), em meio a uma tradicional festa na casa de minha Vó. Lembro como no mesmo dia, após a impossível perda de um pênalti por Zico, e após uma derrota sofrida para o maior carrasco do Brasil em copas, saí chutando as cadeiras de plástico coloridas, em meio à insatisfação por um desejo refreado. Mais do que essa “dor” da perda, ficou em minha memória a delícia de ver um dos melhores jogos de futebol, e jogadas de craque.



Me parece que são elas as vilãs. Elas quem, você pode me perguntar… As cadeiras? Não, as jogadas de mestre, as obras vivas de arte. Há quem diz que futebol é poesia… Acredito que sim. Mas ultimamente o que temos visto é uma dissertação chata de como se entediar um cão.



Parecem todos adestrados pela visão racionalista e indesculpável da garantia da vitória. O ser humano tem em seu íntimo um complicado conflito que nada entre a contenção e a liberdade. Vivemos entre esses dois pólos quase que diariamente nas mais diversas e sutis decisões. Já é dia de querermos aposentar esse desconfortável choque interno, mas deste somos parte. Mas um recalque de envergadura se arma no interior do futebol. Uma reprimenda tamanha de algo contra o que eu poderia chamar de um “instinto de brincar”. Tal instinto parece estar sendo reprimido em seus participantes. A arte de jogar bola está ficando totalmente em segundo plano, para estar em consonância com a produtividade. Os torcedores sul-africanos, por exemplo, ficaram consternados em constatar em um dos treinos da seleção brasileira que o Brasil não trouxe Ronaldinho Gaúcho. Eles perguntavam aos jornalistas e se perguntavam quase inocentemente: “Cadê o Ronaldinho?”. Eu também estou até agora perguntando isso, bobo que sou.



Confesso que para escrever essa pequena critica ao futebol atual, me inspirei num cara que sou fã de carteirada (carteirinha ilimitada). Não, não é um jogador de futebol. É um psicanalista e professor, apaixonado por futebol e mitos. David Azoubel. ponto. No seu segundo livro “O Futebol como Linguagem: Da Mitologia à Psicanálise”, o autor faz algo raro, a inserção da linguagem psicanalítica no campo dos esportes, integrando fatos do esporte com a mente e os mitos humanos mais “embrionários” possíveis.



Pensando na repressão dos instintos e na moderna tentativa superegóica técnica de auto-dissolução de uma arte, vou tentar embasar minha tentativa de argumento contra o racional futebol atual, através de uma das mais exuberantes páginas das 300 que compõe o ‘Ensaio’ de David. Diz ele:

Tenho certeza de que se eu afirmasse que existem jogadores que, quando fazem um gol se sentem tão culpados que se retraem e não raramente somem no jogo, isso poderia causar até um certo espanto. Culpa de quê? Por que eles ficam culpados? A resposta mais exata e precisa nos obrigaria a mergulhar no mundo subjetivo dessas pessoas, na estrutura mais íntimas de sua mente e de seus processos ideo-afetivos. Mas já, que é para resumir (às vezes me parece mais condensar), me arriscaria a dizer que é culpa do sucesso. Isso existe mesmo? Existe sim, não é fantasia de psicanalista desocupado. Não gosto de citar exemplos clínicos, mas não resisto à tentação de citar um deles, uma pessoa que conheci, homem de meia idade, competente, brilhante mesmo no exercício de sua profissão, toda vez que era promovido no seu trabalho tinha um acidente grave de carro, um acidente do qual sempre escapava por milagre. É verdade. O inconsciente da gente existe, e há mais de três milhões de anos vem se especializando em brincadeiras de mau gosto e atos, na maioria das vezes, absolutamente ilógicos… A maioria das pessoas sofre de um grave impedimento nas relações com o pai, ou com alguém que represente sua autoridade. Isto acontece em muitos sentidos, tanto de uma forma mais concreta como de acordo com os mais variados modelos. Afinal de contas, uma metáfora nada mais é do que a possibilidade de se fazer variações sobre um mesmo tema. E em todas as culturas o pai é, e sempre foi, uma figura poderosa. Por que teria que ser diferente na hora de jogar futebol? É compreensível que esse relacionamento possa ser transferido para o técnico, para os seus auxiliares e demais autoridades (incluindo os “cartolas”) mais ou menos próximos aos jogadores… A possibilidade de tolerar o sentimento de sucesso sem enlouquecer durante um período de tempo mais prolongado, é um fator significativo para qualquer um de nós, seja qual for o tipo de profissão escolhida.”



Deixo a pergunta aqui: Afinal de contas, quem é o “pai” desse futebol órfão de hoje?




Link da chinelada de Careca em 86 - http://www.youtube.com/watch?v=rLXJtYv2hog